
Quando a pergunta de pesquisa científica é bem elaborada, todas as outras partes do trabalho se tornam mais claras: objetivos, metodologia, coleta de dados e análise. A pergunta de pesquisa científica é mais do que uma formalidade: é a espinha dorsal do pensamento científico. Em um cenário acadêmico cada vez mais exigente, saber formulá-la é um diferencial tanto para o desenvolvimento do trabalho quanto para a publicação de seus resultados. Se você está começando sua jornada como pesquisador ou orientando, comece pela pergunta certa. Ela define o sucesso do seu estudo desde o início.
Ao longo da minha trajetória como orientadora de trabalhos acadêmicos, tive a oportunidade de acompanhar centenas de alunos na construção de monografias, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado, doutorado e revisões de manuscritos. Em todos esses contextos, uma dificuldade se repete com frequência notável: a formulação da pergunta de pesquisa científica.
Essa etapa, essencial para qualquer projeto científico, é muitas vezes subestimada ou mal compreendida. Já abordamos a estratégia PICO em um post anterior (“Saúde Bucal: 10 Estratégias com PICO para Pesquisas Científicas de Sucesso”), mas mesmo assim, percebo que muitos alunos ainda não compreendem a verdadeira importância de saber formular uma boa pergunta. E é exatamente por isso que decidi escrever este texto.
1. O que é uma pergunta de pesquisa científica?
A pergunta de pesquisa científica é o ponto de partida de qualquer investigação. Ela deve conter, no mínimo, uma variável independente, um desfecho (ou variável dependente) e uma relação de causalidade ou associação entre esses elementos. A partir dessa estrutura básica, conseguimos orientar o restante do projeto com maior segurança metodológica.
Por exemplo, o tema “vantagens do flúor” é vago demais. Mas podemos transformá-lo em uma pergunta mais adequada como:
“O uso de flúor em cremes dentais reduz a incidência de cárie dentária em crianças entre 6 e 12 anos?”
Aqui temos uma variável independente (uso de flúor), um desfecho (incidência de cárie) e uma população definida (crianças entre 6 e 12 anos).
2. A importância da originalidade na pergunta de pesquisa científica
A pergunta deve ser viável, mensurável e original. Por isso, é fundamental revisar a literatura para garantir que ela ainda não foi respondida por revisões sistemáticas. Se já houver uma resposta conclusiva, o mais indicado é reformular o foco da investigação.
Essa orientação me remete constantemente às aulas do Prof. Dr. Álvaro Atallah, durante o doutorado na UNIFESP, nas quais ele reforçava enfaticamente que toda pergunta deve ser construída como se fosse ser respondida pelo melhor delineamento possível, mesmo que, na prática, o estudo seja observacional ou uma revisão. E ainda que a revisão da literatura não seja sistemática no sentido técnico, ela precisa ser estruturada, transparente e fundamentada.
3. Por que a pergunta de pesquisa científica precisa ser bem formulada?
Quando a pergunta de pesquisa científica é bem elaborada, todas as outras partes do trabalho se tornam mais claras: objetivos, metodologia, coleta de dados e análise. Costumo dizer aos meus alunos que a primeira coisa que analiso em um trabalho é se a conclusão está diretamente relacionada à pergunta inicial — e se ela foi de fato respondida.
4. Exemplos de perguntas mal formuladas (e como melhorar)
Pergunta Mal Formulada | Problema | Dica | Pergunta Reformulada |
---|---|---|---|
Como prevenir doenças? | Muito ampla e vaga | Delimitar doença, intervenção e população | A atividade física regular reduz a incidência de hipertensão em adultos? |
O cigarro faz mal para a saúde? | Linguagem subjetiva e generalista | Usar desfecho clínico objetivo | O tabagismo está associado ao aumento do risco de IAM em adultos? |
Quais os benefícios da alimentação saudável? | Termo vago, sem foco | Especificar tipo de dieta, desfecho e população | Dieta mediterrânea reduz o risco de doença cardiovascular em idosos? |
Como tratar câncer? | Muito genérica | Especificar tipo de câncer e tratamento | Quimioterapia adjuvante aumenta sobrevida em mulheres com câncer de mama HER2+? |
A vacina tríplice viral é eficaz em crianças? | Ausência de desfecho claro | Substituir “eficaz” por desfecho específico | A vacina tríplice viral reduz a incidência de sarampo em menores de 5 anos? |
Gestantes podem praticar atividade física com segurança? | Linguagem subjetiva e genérica | Indicar tipo de atividade, desfecho e comparação | Exercícios aeróbicos supervisionados reduzem risco de pré-eclâmpsia em gestantes? |
Implantes dentários são indicados para todos os pacientes com perda dentária? | Linguagem generalista e sem desfecho | Delimitar indicação, intervenção e desfecho funcional | Implantes osseointegrados melhoram função mastigatória em adultos com perda unitária posterior? |
O uso de aparelho ortodôntico melhora a estética dental em adolescentes? | Desfecho subjetivo | Substituir estética por parâmetro clínico mensurável | Aparelho fixo melhora o alinhamento dentário e oclusão em adolescentes? |
5. Conclusão: a pergunta de pesquisa científica como eixo central
A pergunta de pesquisa científica é mais do que uma formalidade: é a espinha dorsal do pensamento científico. Em um cenário acadêmico cada vez mais exigente, saber formulá-la é um diferencial tanto para o desenvolvimento do trabalho quanto para a publicação de seus resultados.
Se você está começando sua jornada como pesquisador ou orientando, comece pela pergunta certa. Ela define o sucesso do seu estudo desde o início.
6. Referências Bibliográficas
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Hulley, S. B., Cummings, S. R., Browner, W. S., Grady, D., & Newman, T. B.
Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. -
Bettany-Saltikov, J.
How to do a systematic literature review in nursing: a step-by-step guide. 2ª ed. New York: Open University Press, 2016. -
Richardson, W. S., Wilson, M. C., Nishikawa, J., & Hayward, R. S.
The well-built clinical question: a key to evidence-based decisions. ACP Journal Club, 1995;123(3):A12–A13. -
Atallah, Álvaro N.
Medicina baseada em evidências: ferramentas, conceitos e aplicações. São Paulo: Manole, 2001. -
Evidence-Based Medicine Working Group.
Evidence-based medicine: a new approach to teaching the practice of medicine. JAMA, 1992;268(17):2420–2425.